quinta-feira, 27 de agosto de 2009

cronica como conheci o King.

Um dia quando passava em frente ao aeroporto, deparei-me com um avião que para mim era um Xingu. Era um bugue de pára-quedismo.
Passou despercebido. No outro dia, vi o trabalho deste notável avião que aí sim chamou-me a atenção. Daí por diante comecei a freqüentar a frente do aeroporto para vê-lo em serviço.
Ia para casa no Ipiranguinha e ficava namorando ele girar base e entrar na final, aí não teve jeito, tive que saber que aeronave era esta. Porque o King Air.
Estava na avenida, já pra lá de Bagdá, voltando para casa, quando lembrei-me do tal que estava lá no pátio cobertinho. Apesar disto parecia que ele me convidava para conhece-lo:
- Vem cá, venha me conhecer.
Entrei pela cerca, com um nó na garganta, com medo de que alguém me visse, afinal o local estava abarrotado de pára-quedistas, quem sabe sonhando com os saltos do dia seguinte. Contemplei-o e parecia que me dizia:
- Olha, vou te falar uma coisa. Quer conquistar um king air? Nunca mexa em suas hélices e não toque em nada.
Passou um ano e o bugue voltou à Ubatuba. Mais uma vez eu fiz o que fiz: entrei no aeroporto, escondido para vê-lo e senti que ele estava mais íntimo e parecia me dizer:
- Na próxima, nós vamos voar juntos! (senti, mesmo sem conhecer ninguém lá, que isto se realizaria).
Passado o bugue do azul do vento, numa manhã chuvosa de janeiro, a visibilidade era mínima. Estava almoçando, quando meu pai comentou que um avião havia varado à pista. Nem terminei de almoçar e fui para o local.
Chegando lá havia um carro de bombeiro vindo não sei de onde. Tinha uma multidão de gente olhando e a avenida Rio Grande do Sul estava toda interditada.
Olhei bem, ainda sem entender o que tinha acontecido, e reconheci que era um King Air, o avião que havia varado a cerca. Sua aparência era sofrida, pois havia batido as duas hélices e uma ponta de asa no chão, arrancado a biquilha e dobrado um trem principal.

cronica 01

A cena era muito triste para mim, apesar de não ter ferido ninguém, o piloto parecia inconformado, pois, dera tudo de si para não causar maiores danos.
Mais tarde, fiquei sabendo que havia um caminhão parado na frente da pista e o piloto, para não chocar-se com ele, segurou o avião num cavalo de pau .
Naquela multidão reconheci meu amigo Thiago que também é piloto. Chamei-o para falar comigo, para trás do cordão de isolamento, onde eu me encontrava.
Perguntei-lhe: - E agora? Como retirarão esse avião daí? Para minha surpresa ele me respondeu que seria com máquinas. Eu exclamei: - Com máquinas? Isto vai machuca-lo mais ainda. Ao que ele me respondeu:
-Agora não tem jeito, não há mais o que fazer.
Percebi pelo seu tom de voz que ele também estava chateado com o tipo de remoção que iriam fazer.
Resolvi, então, ir-me embora para não ter de assistir ao triste desfecho (logo eu, que gosto tanto desse tipo avião).
Quando voltei o avião estava em cima de uma carreta, três máquinas o colocaram lá.
As máquinas ajudaram a carreta subir a pista e o King balançava de um lado para outro. Acompanhei até ele chegar no pátio do aeroporto.
Eu estava voltando quando vi um Caravan pousando. Percebi como a pista estava encharcada e com possas enormes.
Anoiteceu e fui até a avenida tomar cerveja, mas sempre com aquelas cenas na cabeça.

cronica 02

De novo fui escondido no aeroporto só que dessa vez , para ver o king incidentado, estava tendo um show dos Titãs ,ao lado desse aeroporto, e dessa vez tinha um pessoal que tomava conta do lugar, vendo o show. Ai, já viu, o senhor que tomava conta me deu uma catracada e disse:
-- O que você esta fazendo aqui dentro! e ainda perto desse avião?
Eu não discuti, pois eu estava errado! (nunca façam isso,entrar num lugar a noite sem permissão) , mas pensei comigo : quando ele for embora eu volto.
Não deu outra. Voltei, mais quietinho.Não mexi em nada, pois aquele outro KING B200 me ensinou a conquistar um king.
Nossa !! Fiquei impressionado com as hélices dobradas para trás como se fossem de plástico, e como estava sujo de barro! Mas para minha surpresa, esse King era metido !
Parecia que me me dizia :
-- O que é que tá olhando ! Nunca viu uma aeronave do meu porte?
Respondi!
-- Desse jeito não!
-- Avião que pula cerca? nunca tinha visto não ! E então ri...
Aí , ele não gostou mais ainda ,e fiquei com pena dele.
No outro dia fui visita - lo , mas agora mais íntimo, e com vontade de ajuda - lo. Mas ajuda - lo em quê ?
O que eu ? Eu , logo eu podia fazer ? Não conhecia ninguem no aeroporto e tão menos de avião. Mas mentalizei para ele :
-- Vou cuidar de você mesmo que seja escondido!
Ele pareceu me responder :
--Muito obrigado, quando eu sair daqui você vai junto !
Bom, eu não acreditei !

cronica 03

Ir junto ? Não conhecia ninguem ! Como?...
Mas ali selamos nosso pacto de amizade!
Sempre ia a noite limpa-lo, e colocar suas capas que caiam frequentemente. De dia sempre ficava vigiando. E ele na cabeça o tempo todo.
Um dia juntei dinhero e fui fazer um vôo panorâmico. Convidei meu amigo André guitarrista e fomos ansiosos para voar.
Chegando lá adivinha quem era o piloto? O Thiago !
Fizemos um vôo caprichado e ele me deixou pilotar um pouquinho(esse "pouquinho" me lembra meu amigo Edson).
Pousamos. Contei toda a historia para o Thi , e ele me disse:
-- Aaaahhh , então você é o fantasma que assombra aquele KING!
-- Eu ??? fantasma ?????????!!!!!!!!!!!!!!!!
-- O pessoal aqui do aeroporto tá achando que tem um fantasma assombrando o King.
Cada dia ele fica mais limpo, e se de noite a capa tá no chão ,de dia tá no lugar !!!!
-- Você é louco???????!!!!!!!!!!!!! Ainda acaba tomanto um tiro aqui!!!!
-- Vou te apresentar para o Seo. Feijâo ! Você não é bandido para ficar fazendo coisa escondida, além do mais, está praticando uma bela açâo!
Ele me apresentou! Na mesma hora pedi para limpar o king
O agora íntimo Feijão, aliviado de conhecer o fantasma me autorizou , e ficamos amigos, graças à thithi.
Passaram -se alguns dias...
Eu estava limpando o King, quando Seo. Feijão me disse :
O piloto desse King pousou no aeroporto.

cronica 04

Seo Feijâo tinha lhe contado, minha historia. Lhe contou que eu cuidava do avião dele, e ele, grato, quis me conhecer.
Passou mais ou menos um mês, e estava eu na oficina do meu pai, trabalhando.
Naquela manhã, quando ouvi um rugir de King lá fora , saí correndo e olhei para cima e vi um King diferente . Comprido. Lindo !!!
Porém, para meu espanto,(e completa alegria) sobrevoou a cidade, manobra não usual.
Meu pai pediu que eu fizesse uma entrega .Eu fiz, mas na volta segui o instinto, e fui direto ao aeroporto.
Lá estava ele, com umas faixas vermelhas e pretas e seu prefixo PT-DKV .
E para minha surpresa o piloto era o mesmo do KING que eu cuidava!!!
Nos conhecemos.
Ele contou toda a historia do incidente.Fiquei impressionado de como ele foi um super piloto evitando uma tragédia.
Nessa época eu já havia virado fã de King Air e mostrei uma famosa pasta de fotos que coleciono.
Nós ficamos amigos , e ele me contou tudo, ou quase tudo, que sabia sobre kings.
A partir daí, toda vez que vinha para Ubatuba, ele me ligava para espera-lo
E eu, como sempe, sem fazer o usual, o esperava...
DKV !
Senti uma coisa que nunca havia sentido ! Um caráter de King ! Daquele King ! Ele não ostentava o título "Super" no seu modelo (" Super King Air ") mas se tornou meu "Super Amigo".
Senti nesse avião a salvação.
A minha, e de meu amigo OUF.

cronica 05

PT-DKV - Depois de conhecer e se tornar amigo desse king, pressenti que ele é quem ia nos ajudar. Dito e feito, passado mais alguns intermináveis meses o piloto me noticiou, que o DKV iria emprestar suas turbinas para o OUF, fiquei muito alegre.
Nesse meio tempo, conheci o pessoal da esquadrilha ACROBATIKA, na qual fiz vários amigos, entre eles, o saudoso Renato Escaramuchi, não me recordo bem da escrita correta do nome dele, mas me deu a maior força no sentido de conversar com um avião ele me contou que tinha uma moto que tinha ciúmes das namoradas dele. Ele ia encontrar com elas, mas na hora de ir embora a moto não funcionava, a coitada da moça tinha que pegar um táxi, daí sim ele conseguia ligar a moto.
Não me lembro o dia certo, mas era um dia de sol, e meu amigo Edielson, piloto do DKV, me ligou cedo avisando que estava decolando de sampa para SDUB, fui correndo para o aeroporto. Demorou uns quarenta minutos, e lá estava o Vitinho na final, e eu não me contia, para minha surpresa ele parou ao lado do OUF (ele sempre parava bem distante um do outro), mas dessa vez ele parou bem pertinho, esse pertinho me faria outra surpresa.
Passada a euforia, para não perder o costume foi ao aeroporto à noite, tinha tomado varias latinhas, ai tive a idéia de fazer um pacto com os dois, peguei uma latinha e pus um pouco de querosene, para aquela minha surpresa que falei antes, peguei na ponta da aza de um e alcancei a aza do outro, com minhas mãos, deu a distancia certinha de um para o outro. Fiquei impressionado parecia que já estava ali de propósito.
Tomei aquela latinha, como um ritual, e pedi mentalmente, que o vôo de translado desse tudo certo, que nós três íamos ficar ligados até que o OUF ficasse pronto, e realmente ficamos.
Chegou o dia do translado:
Os mecânicos Valter, Sérgio, Frank, Macedo e Paulão tiveram muito trabalho em colocar as turbinas do DKV no OUF, devido a grande diferença de idade de um para o outro, o DKV era ano 72, já o OUF era de 83. Acertada as diferenças, mesmo assim voamos sem gerador, todos estavam muito preocupados com o vôo, pois não tínhamos como saber como estavam realmente o estado das longarinas das asas, mais eu estava bem tranqüilo. Finalmente acionado, o piloto me advertiu que na hora da decolagem não conversasse com ele, por ser um momento muito crítico, mas a decolagem, como eu sabia, foi muito tranqüila. Tão tranqüila que depois ele deu um rasante em cima do aeroporto, e eu até vi o branco dos olhos da minha mãe lá em baixo no pátio. O vôo foi tão legal, que mesmo com uma das pontas da asa dobrada ele não teve nenhuma tendência, o pouso em Marte foi tranqüilo. Edielson ficou surpreso que depois de onze meses parado ao tempo em Ubatuba, os flaps e todos os comandos, com exceção do radar, funcionaram. Assim sacramentando o valor de meus cuidados em relação ao avião.

cronica 06

Passou o final de ano e veio janeiro, o bugue do pára-quedismo voltou, e eu agora já conhecido do pessoal do aeroporto, fui apresentado ao pessoal de bugue, que não entenderam nada ao ver minha ansiedade com a chegada daquele King 200, sem saber de toda minha história anterior.
Na hora que ele tocou a pista do aeroporto, foi uma choradeira só, o próprio piloto do avião, que era um americano, não fazia a menor dimensão da importância daquele retorno, mas passada a emoção, mostrei aquela famosa pasta de fotos de King Air. Sem me conhecer e através de intérpretes, fui convidado a ir ao primeiro vôo – veio imediatamente a lembrança das primeiras vezes em que eu entrava no aeroporto escondido para vê-lo, e entendi por que o avião parecia me dizer que eu ainda iria voar com ele. Mais uma vez, parecia que tudo já estava escrito em minha existência com esses notáveis aviões. Nessa época foi o ultimo vôo que esse avião fez o pára-quedismo em Ubatuba, nunca mais tive notícias de meu amigo N5UB.
Hoje, aguardo ansiosamente o retorno do meu outro amigo OUF, para desfazer o pacto, sendo que ele já está em fase de pintura nova.